Há muitos, muitos anos, fiz uma oficina de crítica cinematográfica, ótima. Cada aula era dada por uma pessoa diferente: professor(a) ou crítico(a) de cinema. Uma professora disse algo que nunca mais esqueci e que considero uma lição valiosa:👇🏼
o (pretendente a) crítico de cinema deve não só dominar os recursos semióticos do meio (a infame “linguagem” cinematográfica), mas buscar, constantemente, um aprimoramento do seu repertório cultural mais abrangente. Isto inclui outras artes: literatura, teatro, pintura, música👇🏼
etc.; e inclui também diversas disciplinas científicas (no geral, humanidades): história, antropologia, sociologia, filosofia, psicologia etc. Para reforçar, ela deu um contraexemplo, real: um crítico, analisando um filme chinês (não me lembro mais qual), inventara uma👇🏼
interpretação mirabolante para a forte recorrência da cor amarela dentro do filme; mas o fato é: na cultura chinesa tradicional, amarelo representa a nobreza - por extensão, a terra, o poder, a sabedoria.👇🏼
Assim, ser alfabetizado na “língua” cinematográfica não habilita você a compreender o cinema, enquanto fenômeno cultural, enquanto meio de expressão de identidades e inquietações culturais; tampouco habilita a escrever - em posição de autoridade - sobre cinema.👇🏼
Compreender a semiótica elementar do cinema é apenas o primeiro (e imprescindível) passo. É o estágio da alfabetização. Igualmente, ser alfabetizado na língua portuguesa não habilitaria ninguém a empreender análises de um Machado de Assis.👇🏼
Os passos subsequentes são entender como essa semiótica básica do cinema se matiza e se articula em diferentes propostas de movimentos artísticos e culturais social e historicamente determinados. Por exemplo, não há como compreender, de fato, o cinema expressionista alemão👇🏼
sem compreender o Expressionismo nas diferentes artes do período, o que exigirá uma compreensão mais abrangente dos movimentos das vanguardas artísticas na Europa após a 1a Guerra Mundial. E o caso particular do Expressionismo pedirá estudos também da arte e da literatura do👇🏼
Romantismo (séc. XIX) e do Barroco (séc. XVII). Não se trata de fazer uma análise puramente “literária” do cinema. Essa dicotomia era preocupação na primeira geração de críticos da sétima arte, antes da 2a Guerra Mundial, quando a própria “linguagem” do cinema ainda não estava👇🏼
propriamente consolidada, validada. Hoje, pelo menos nos meios acadêmicos, essa discussão é fato histórico, passado, e a interdisciplinaridade (intermidialidade e estudos interartes) é uma tendência internacional. O negócio é: partir da análise semiótica mais dura, para chegar👇🏼
às formas e sentidos mais totais de um filme, os quais muito provavelmente já estarão em diálogo com as semióticas de outras artes e com fatores históricos, sociais, filosóficos etc. Um modelo de inspiração, para mim, é o professor (r.i.p.) Jorge Coli, que deu aulas em👇🏼
universidades e assinou, por muitos anos, uma coluna no caderno cultural da Folha de S. Paulo (seus textos já estão reunidos em livro). Ele escrevia sobre belas artes, teatro, literatura e cinema. Sempre demonstrando um domínio impecável dos instrumentos semióticos específicos👇🏼
de cada um desses meios. Mas sempre buscando articulações, diálogos, dialéticas. E, acima de tudo, sempre compreendendo a arte como meio de expressão do espírito humano, em todos os seus múltiplos e diversos determinantes (geográficos, históricos, sociais etc.).
You can follow @androsrenatus.
Tip: mention @twtextapp on a Twitter thread with the keyword “unroll” to get a link to it.

Latest Threads Unrolled: