THREAD: Líder espiritual. Mãe de 55 filhos. Esposa exemplar. Cantora de sucesso. Deputada federal mais votada da história do Rio de Janeiro. Seus testemunhos arrebatam fiéis e sua história comove até descrentes.
Esse é o manto de Flordelis, que cobria uma história de terror.
Esse é o manto de Flordelis, que cobria uma história de terror.
Parte I - O desaborchar.
“Não fui eu que ordenei a você? Seja forte e corajoso! Não se apavore nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar".
Josué 1:9
“Não fui eu que ordenei a você? Seja forte e corajoso! Não se apavore nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por onde você andar".
Josué 1:9
Flordelis dos Santos Souza nasceu em 1961 na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Como filha de evangélicos, cresceu no meio protestante. Seu nome, escolhido pelo pai, foi escolhido da Bíblia. O lírio estilizado, a flor de lis, é um dos mais antigos símbolos de nobreza.
Sua vocação para a música e caridade vinha da juventude, quando cantava em coral da igreja e se engajava em causas sociais. Aos 18 anos, tornou-se professora de ensino infantil. Foi nessa idade que engravidou de seu primeiro filho, fruto de um relacionamento, mas foi mãe solo.
Aos 29, foi abandonada pelo marido. Já com três filhos biológicos, fazia pequenos cultos na comunidade do Jacarezinho. Liderava missões de resgate de jovens frequentando bailes funk. Havia quem a considerasse louca por suas rondas da madrugada em bailes e vielas.
Conhecida como Mãe Flor e Irmã Flor, alguns a rejeitavam, mas conquistou o respeito da maioria dos agentes do crime da comunidade por socorrer baleados, cuidar de feridos, prestar assistência às vítimas colaterais da guerra do crime.
Em suas conversas pela comunidade, ela se aproximava dos jovens buscando entender o que os levava ao crime. Desestrutura familiar, imagem heroica de traficantes servindo de estado onde o governo não olhava e, de acordo com ela, fliperamas.
Associava o início da delinquência aos pequenos furtos de crianças em casa para jogar videogame. Para ela, era um vício que levava a outros. Então, a sua estratégia foi além de apenas conversar e pregar: comprou um videogame para sua casa e convida-os a visitá-la.
Os primeiros resultados de seus resgates foram cinco adolescentes, acolhidos por Flordelis como filhos. A primeira geração. Flordelis se tornou uma referência e espécie de conselheira tutelar informal da comunidade, onde o estado não entrava. Aparava mães e filhos com sua igreja.
Em seus testemunhos, Flordelis narra o desespero de uma mãe ao pedir orações por ela e seu filho, que seria executado pelo tráfico. A pastora decidiu resgatá-lo subindo ao morro e indo local de execução. Lá, pediu aos executores para orar pelo jovem amarrado ao tronco. Deixaram.
Durante a oração, ela declarou a Deus que estava trocando a vida dele pela sua. Após a oração, barganhou com os traficantes. “Se você me deixar levá-lo e ele infringir a lei do crime de novo, você mata nós dois.” Contrariado, Rael da Mancha Branca, chefe do tráfico, autorizou.
Em história similar, Flordelis declarou no culto que Deus, através de um anjo, lhe ordenou que resgatasse um jovem chamado Renato, expulso pelo tráfico do Jacarezinho e escondido na Cidade de Deus. E ela precisava de voluntários e perguntou quem seria corajoso de acompanhá-la.
Silêncio na igreja. Mesmo recebendo autorização de Deus para buscá-lo, todos hesitavam perder a vida em uma guerra que não era deles. Apenas um jovem visitante do culto ergueu sua mão. Flordelis intercedeu pelo expulso com o chefe do tráfico, que não autorizou sua volta.
A punição por descumprir o expurgo era a morte dele, da família e quem estivesse junto.
O resgate aconteceria mesmo assim, decidiu Flordelis.
O resgate aconteceria mesmo assim, decidiu Flordelis.
O jovem estava escondido em um barraco, apenas com uma mochila como travesseiro. Quando abordado pela dupla o jovem relatou, em prantos, que na noite anterior, no mesmo horário do culto de Flordelis, saiu do esconderijo armado e disposto a não morrer só.
Passou em frente a uma igreja, ouviu a pregação e voltou ao esconderijo para orar para que Deus lhe devolvesse sua família, prometendo se tornar crente. Dormiu em paz pela primeira vez em tempos. Quando acordou, Flordelis e Anderson estavam em sua porta.
Rael da Mancha Branca foi a casa de Flordelis. Ele relatou que ficou inquieto após a sua intercessão e não conseguia comer ou dormir. Ficou sem paz. Então sua esposa, frequentadora dos cultos de Flordelis, mandou que ele a procurasse para orar por ele e tirar seus demônios.
Antes de entrar, Flordelis ordenou que ele deixasse a arma debaixo da escada antes de entrar, “instrumento de Satanás não entra na casa de crente”. Rael obedeceu a ordem. Ao entrar, o traficante viu o jovem jurado de morte lá, mas nada fez. Recebeu a oração e partiu.
Em seguida, Rael da Mancha Branca voltou com um notório matador da comunidade à casa de Flordelis e apontou para Renato, que já havia trocado tiros com ele na guerra. Era a oportunidade perfeita para exercer sua autoridade como chefe do morro e fazer valer a lei do crime.
A ordem de Rael foi: "trouxe você aqui para avisar a todos que ninguém toca num fio de cabelo dele. Esse homem é de Deus, e com esse Deus a gente não pode."
O jovem que acompanhou Flordelis no resgate testemunhou o milagre da pacificação de um chefe do crime. Entre o pavor e o encanto. Mas ali sentiu o poder de Deus e o amor. Seu nome era Anderson do Carmo.
E este foi seu primeiro encontro com Flordelis.
E este foi seu primeiro encontro com Flordelis.
NOTA: Em outra versão há um obstáculo entre Flordelis e o barraco, um suposto cabeleireiro e pai-de-santo, descrito por Anderson como “seis meses homem, seis meses sei lá o que”, inimigo de morte de Flordelis.
O pai-de-santo realizava supostos rituais de fechamento de corpo com guia, e Flordelis lhe roubava os clientes dizendo que “o pai-de-santo fecha o corpo, mas deixa o buraquinho pra bala passar”, quebrando os colares em seguida. Cortei do fio principal por motivos de me poupe.
Em 1993, milicianos dispararam contra pessoas em situação de rua, a maioria crianças, no caso da Chacina da Candelária. Flordelis e Anderson casaram-se em 1994. No mesmo ano, após um atentado similar na Central do Brasil, o casal foi surpreendido um chamado inesperado.
Capítulo II - Vinde a mim as criancinhas
“Então disse Jesus: "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas".
Matheus 19:14
“Então disse Jesus: "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas".
Matheus 19:14
Flordelis e Anderson estavam casados há três meses, quando uma mãe como tantas outras, perdendo filhos para o crime e as drogas, procurou a Irmã Flor em desespero: "Minha filha saiu de casa pelo vício, eu só sei que ela está no calçadão da Central do Brasil".
Ao procurar uma jovem, encontraram várias crianças de rua drogadas e abandonadas. Foram até uma sob efeito da droga e Flordelis, habilidosa para tratar com pessoas nesse estado, puxou conversa. Aos poucos conquistou a confiança e a moça lhe fez uma confissão terrível.
"Não tem jeito pra mim. Me droguei assim porque acabei de jogar minha filha, de 15 dias, no lixo".
Anderson se espantou. Flordelis, com a sua costumeira calma relatada em testemunhos, perguntou onde a criança estava. Foi posta em uma lixeira antiga de um local chamado "Maloca".
Anderson se espantou. Flordelis, com a sua costumeira calma relatada em testemunhos, perguntou onde a criança estava. Foi posta em uma lixeira antiga de um local chamado "Maloca".
A bebê ainda estava viva. Anderson caiu em prantos, em choque. Flordelis acalmou-o e pediu que ele comprasse alguma roupa no camelô, enquanto ela dava jeito de banhá-la.
À mãe da bebê, desolada, Flordelis disse "Deus não me mandou aqui só por causa dela. Mas por causa de você."
À mãe da bebê, desolada, Flordelis disse "Deus não me mandou aqui só por causa dela. Mas por causa de você."
Convidou-a a ir com ela para sua casa com a neném. Chegando lá, a neném convulsionou. No hospital, descobriram que a neném, filha de usuária de drogas, nascera dependente química.
A criança passou seis meses no hospital entre a vida e a morte, com Flordelis rejeitando tratamentos como medicar a criança como substituto das drogas. A menina sobreviveu. Foi adotada como filha de Flordelis.
A mãe dessa neném voltou às ruas. Mas a procurou numa madrugada, acompanhada por crianças em desespero. Um carro disparou tiros contra elas, atingindo várias. Flordelis deixou as crianças no local e decidiu checar a história.
Descreveu uma cena de guerra: bebês no chão e crianças baleadas. Levou-as ao Hospital Souza Aguiar e, com a alta, decidiu levá-las para casa. Só parou para contar a quantidade de novas crianças em sua casa quando reuniu todas: 37. Agora a família tinha 44 pessoas, sendo 15 bebês
Um casal periférico com oito filhos não daria conta de alimentar e vestir uma família de 44 pessoas. Foi então que lembrou-se da Ação Social de Herbert de Souza, o procurou e ele o ajudou por três meses com alimentos. Uma representante da ONU e a associação do bairro também.
Por complicações em sua doença, Betinho a informou que não teria como ajudá-la mais. Colaborou pautado a Globo sobre o seu caso, para pedir doações.
O caso tornou-se público. E com a ajuda, vieram também as "perseguições", da opinião pública, imprensa e da justiça.
O caso tornou-se público. E com a ajuda, vieram também as "perseguições", da opinião pública, imprensa e da justiça.
Flordelis contava que compareceu em juízo para se explicar. Ela afirma ter obedecido uma ordem para devolver a criança à família. Duas semanas depois, o menino devolvido foi morto pelo pai, atirado da janela.
Decidiu que não devolveria mais nenhum dos seus filhos.
Decidiu que não devolveria mais nenhum dos seus filhos.
Após se recusar a obedecer o mandado de busca das crianças, sob pena de prisão caso não cumprisse, o casal decidiu fugir da casa com dois quartos. Foram para Irajá. abrigados em uma casa de um conhecido, com acesso por duas ruas, onde a garagem foi transformada em quarto.
Esconder tanta gente é difícil. Enquanto buscavam roupas de cama, o casal soube por um filho que o juizado havia a localizado. Mas todos fugiram pela porta da garagem,como ela ensinou, enquanto a polícia batia na frente. Estavam na praça esperando-a. Nesse dia, dormiram na rua.
Para cessar as perseguições, Flor se apresentou à imprensa com seus fatos. Depois de oito meses, um novo juiz a orientou. Sua casa deixou de ser apenas uma família e se tornou a Associação Lar-Família Flordelis. O formato abrigo durou três anos, mas voltou atrás para adotá-los.
Assistindo ao noticiário, um empresário se comoveu com a história da mulher que decidiu adotar dezenas de crianças e resolveu ajudá-la. O contato com uma história de altruísmo lhe inspirou a fundar o Instituto da Criança. Seu nome é Pedro Werneck. Um mecenas da família.
Já em 2012, a família "De Lis" já estava com a vida melhor. A carreira de Flordelis estava ótima. Suas igrejas iam bem. Flordelis assinou o contrato com uma grande gravadora e tinha um álbum para lançar, "Questiona ou Adora". https://open.spotify.com/album/1KGDrmVdFz2kU3Cf7l5ptr
No dia do lançamento, a caminho da festa, Flordelis foi ao consultório levar os resultados do exame da sua única filha biológica. O diagnóstico: câncer. Melanoma. Estágio 4.
De acordo com o testemunho delas, a filha acabou realizando um tratamento experimental no Albert Einstein. Bem sucedido, a filha estava "curada". A história fez parte do filme Flordelis e foi tema do clipe do seu maior sucesso.
Oito (sim) filhos de Flordelis foram indiciados pelo assassinato de Anderson do Carmo. A neném encontrada no lixo e a personagem tema de seu maior hit estão entre eles.
FIM DA PARTE DOIS.
NA TRÊS A GENTE CHEGA NO ASSASSINATO, CALMA, GENTE.
NA TRÊS A GENTE CHEGA NO ASSASSINATO, CALMA, GENTE.
As histórias anteriores estão presentes em entrevistas, reportagens e também nos testemunhos do casal Flordelis e Anderson. Testemunhos são depoimentos de superação através da fé, fundamentais na doutrina pentecostal. Um testemunho impactante é capaz de atrair fiés.
Ler sobre o caso sem entender o que tornava o casal tão influente dentro e fora da igreja é simplista e diminui a proporção do escândalo gigante para quem é de fora, mas devastador para quem é de dentro. Há uma comunidade em questionamento de tudo, inclusive dos testemunhos.
Todas as pessoas sabiam o poder do testemunho na doutrina, mas Anderson viu neles uma oportunidade de levar a palavra adiante, melhorar a imagem da mulher e melhorar as finanças da família.
CAPÍTULO III - A Volta Por Cima
"Mudaste o meu pranto em dança, a minha veste de lamento em veste de alegria, para que o meu coração
cante louvores a ti e não se cale.
Senhor, meu Deus, eu te darei graças para sempre."
Salmos 30:11-12
"Mudaste o meu pranto em dança, a minha veste de lamento em veste de alegria, para que o meu coração
cante louvores a ti e não se cale.
Senhor, meu Deus, eu te darei graças para sempre."
Salmos 30:11-12
Em 1998, o casamento foi oficializado. Em 1999, o casal fundou a primeira igreja, Comunidade Evangélica Ministério Flordelis, no bairro Rocha. Foi também o ano de lançamento do primeiro CD da pastora, uma produção independente. Mas Anderson via potencial para mais.
Em uma época com a internet como um serviço raro, Anderson resolveu gravar as pregações de Flordelis em sua igreja com a ajuda de um ex-morador de sua casa. Mídias gravadas, ele colocava tudo em uma maleta prateada e vendia nas igrejas que visitava.
O que começou com CD, com o avanço tecnológico, logo se transformou em DVD. Dessa forma, o Ministério Flordelis passava a ser mais conhecido e considerado pela comunidade.
Ainda em 2003, Flordelis foi a Xuxa ser homenageada como mãe do ano.
Ainda em 2003, Flordelis foi a Xuxa ser homenageada como mãe do ano.
Sua história também apareceu no Fantástico.
De um lado, as produções independentes de Flordelis eram abraçadas no meio evangélico. Do outro, a mídia retratava o que era visto: uma história de fé e altruísmo. O sucesso dos CDs e DVDs de Anderson retornavam em forma de fiéis e doações para a família.
Em 2009, o seu testemunho ganhou as telas do cinema, através do filme. Produzido através de Anderson e uma produtora audiovisual evangélica. O filme contava a própria como protagonista e elenco de globais, que destinaram os cachês para a compra de uma casa para a família.
Lançado fora do meio gospel, no Festival do Rio, sob aplausos. Era o que faltava para eles chegarem ao resto do país, e talvez no mundo. Anderson também negociou a trilha com a gravadora que logo assinaria o primeiro contrato da carreira da esposa.
Graças ao filme, Flordelis voltou a aparecer no Fantástico. Considere o Fantástico de 10 anos atrás, uma época onde ter internet em casa era um luxo e redes sociais eram um nicho, e não um fator tão influente como atualmente.
Seu primeiro disco com contrato foi lançado em 2010. O segundo, o que a consagrou no meio, em 2012, certificado com disco de Platina. Em um país com consumo cada vez menor de mídia física e pouca restrição à pirataria, é um marco e tanto para Flordelis. Ou melhor, para o casal.
Flordelis tinha o talento para cantar, compor e o protagonismo da história marcante de vida. Mas foi Anderson quem desde sempre administrou a família, as igrejas, a direção na carreira artística, a agenda de shows e pregações. Anderson era marido, sócio e empresário.
Não é demais pressupor que a essa altura ele também coordenasse as ações políticas da esposa. Em um vídeo do final de 2017, em compras de fim de ano, Flordelis é abordada por fãs diversas vezes em meio a comentários sobre política e economia.
Flordelis foi a 5ª dep. federal mais votada do RJ Em 2018, com 196.959 votos. A 1ª considerando apenas mulheres. Suas pautas pró-família, anti-aborto e defesa da simplificação do processo de adoção iriam à Brasília.
Sem deixar Anderson para trás.
Sem deixar Anderson para trás.