Há algum tempo pensei em falar sobre algumas histórias de materiais construtivos populares e o apelo que eles têm na arquitetura brasileira. 🏗️🏡

Vamos começar com o mais popular de todos?

✨ História do piso de caquinho, a thread

(Foto: Thayane Tavares. Reprodução: Instagram)
O piso de caquinho começou a se popularizar em casas paulistanas nos anos 40 e 50, quando muitos dos operários viviam em casas térreas e sobrados de 8x25 ou 10x30, com quintal, trabalhando em indústrias. Famílias inteiras trabalhando na mesma companhia e vivendo no mesmo bairro.
Naquela época, praticamente não existiam tantos materiais de revestimento no Brasil, e os que existiam eram muito caros.
O cimento queimado, ou também o famoso "piso vermelhão", feito com pó xadrez de várias cores, eram os mais populares nas casas da classe trabalhadora.
Cimento queimado, ao contrário do que o nome sugere, não tem relação com fogo. Em suma, é uma técnica que consiste em polvilhar pó de cimento no contrapiso recém feito e desempenar, "queimando" o cimento e dando aspecto de algo resinado.
Havia uma fábrica chamada Cerâmica São Caetano, que produzia azulejos e lajotas de litocerâmica e cerâmica, vermelha, amarela, preta e branca.
A litocerâmica é bem menos resistente a impactos, pois tem a vitrificação pela queima com temperaturas mais baixas que outros materiais.
A Cerâmica São Caetano era de propriedade de Roberto Simonsen, que dá nome a escola SENAI no Brás.

Neste processo de produção, sofria muitas perdas devido a quebras, gerando muito entulho com essas peças quebradas, que iam parar em um aterro nas imediações, sem proveito algum.
(aliás a história apenas da Cerâmica São Caetano por si só já rende horrores, pois a empresa foi responsável por mt da história do ABC, além da cidade, o time de futebol, tem participação do Partido dos Trabalhadores na greve que terminou por falir a empresa, ai mt coisa)
E agora, vem a ARTE ✨

Um dos funcionários, que estava a construir sua casa, teve a ideia de levar os cacos de piso para revestir seu quintal.
A combinação de peças amarelas, brancas e pretas não deixava a monotonia se acentuar, e gerou desenhos de mosaicos lindíssimos!

ARTE 🥺
Como a maioria das famílias dos trabalhadores viviam nas mesmas vizinhanças, o movimento foi se espalhando entre eles e tornando o piso mais e mais popular no bairro operário da fábrica.
A fábrica achava até melhor no começo, pois gastaria menos com o aterro dos entulhos...m
Só que os diretores da fábrica viram que o piso de caquinho se tornou tão popular entre a classe média paulista, até mais procurado que a cerâmica inteira, que resolveram monetizar isso. O capitalismo, oferta e demanda, vocês sabem, né...
E de repente, um movimento arquitetônico espontâneo de trabalhadores foi sendo apropriado cada vez mais por uma pretensa classe média, e a partir daí a fábrica passou a VENDER, com valor mais caro, os caquinhos.
Com o afastamento dos trabalhadores dos grandes centros urbanos, que são relegados a viver em lotes agora cada vez menores, sem quintal, e posteriormente, em apartamentos minúsculos, o caquinho foi perdendo espaço nas casas brasileiras.
Uma lembrança da casa de nossas avós.
Hoje, praticamente não vemos as lajotas de litoceramica sendo usadas como revestimento em larga escala como era antes. Foi sendo substituída no mercado brasileiro por materiais cada vez maiores e mais resistentes, com menor perda possível para as fábricas e construtoras.
E vemos o piso de caquinho, assim como o cimento queimado, cada vez mais sendo empregado e elitizado em construções de alto custo, para de qualquer forma emular um aconchego e uma história que não pertence a elite, e sim aos trabalhadores.
Muitas são as formas de gentrificar.
A imitação ficou por conta de cacos de porcelanato (que é duríssimo pra quebrar), compram peças inteiras pra quebrar e imitar o original.

Só estética, sem história e política, não é arte.

Aqui o piso da Lanchonete da Cidade, no Shopping Cidade Jardim, zona nobre de São Paulo.
E por mais que tentem imitar, o caquinho lembra a casa dos avós, dos tios, de quando brincavamos com primos no quintal. A estética é linda e deve ser apreciada.

Mas a história de um movimento das massas trabalhadoras tem que ser reconhecida como tal.

Arquitetura é política! 🏴
(Eu uso fotos que encontro pelo Google, caso alguma foto seja sua, avisa que sempre coloco créditos, é só que nem tudo cabe em Tweets)
História da Cerâmica São Caetano:
E faltou citar que muito se assemelham às obras de Antônio Gaudí, arquiteto catalão, que entre 1880 e 1930 produziu diversas obras com uso de cacos de cerâmica.
Mas teria Gaudí inventado o caquinho daqui? Hm 🤔
Penso que não teria como, já que era um mundo que não era globalizado e o contexto era totalmente outro, foi mais aliado a funcionalidade do que a forma da estética proposta.

O caquinho é sim um movimento arquitetônico operário brasileiro.
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