Como lidar com alguém em luto - A THREAD

Nos próximos dias, infelizmente, chegaremos aos 50 mil mortos por Covid-19 no Brasil. A estimativa é de que cada uma dessas perdas deixe 10 pessoas em luto. Numa conta rápida: meio milhão de brasileiros em sofrimento.+
Isso sem falar sobre a subnotificação e sobre os óbitos por outros motivos, que continuam acontecendo.

Tem sido difícil encontrar quem não conhecia alguém que morreu por causa do coronavírus - ou que conheça quem esteja em sofrimento pela partida de um parente ou amigo. +
Por isso, compilei alguns aprendizados que venho tendo nos últimos anos, como jornalista dedicada ao envelhecimento, aos cuidados paliativos, à morte e ao luto, e na apresentação do @podcastfinitude.
1) Acolha, mas deixe doer: uma morte é uma morte. Machuca, invariavelmente. A cultura do "levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima" é um desserviço neste momento. Não diga "bola pra frente" pra alguém que perdeu um familiar há pouco tempo. +
Se não tem nada a dizer, limite-se a falar "sinto muito" ou "não imagino a dor que você está sentindo";

2) "Não aguento vê-lo/a sofrendo!": quanto mais a gente evita a dor, mais vai doer. Esse momento de tristeza ou choro é uma importante etapa pra elaboração do luto.+
A sua aflição em acelerar o processo do outro só vai ser mais um componente de estresse e ansiedade;
3) As 5 fases do luto:
- Negação;
- Raiva;
- Barganha;
- Depressão;
- Aceitação.

O modelo da psiquiatra Elisabeth Klüber-Ross é importantíssimo, mas a leitura moderna+
destas etapas é de que o luto não é linear. Ex.: não é porque a pessoa já passou da negação que nunca mais vai voltar pra ela. Ou a primeira reação pode ser a depressão e só em seguida a raiva. Num dia você pode estar bem mas, de repente é invadido por um cheiro ou um som que+
te remete diretamente à pessoa perdida ou alguma memória específica e, do nada, desaba. O luto, em vez de linear, mais se assemelha a uma montanha russa. Com looping. E às vezes marcha-ré. Em alta velocidade;

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4) O luto não acaba. A dor não passa, só se ressignifica e se reacomoda. O luto é tudo que mora na ausência da pessoa que partiu;

5) Não quantifique nem compare o luto de alguém. Não é possível estabelecer que quem perdeu um primo esteja sofrendo menos do que uma mãe+
cujo filho morreu. Ou que doa menos pra um neto se o avô que partiu tinha mais de 100 anos. Ou ainda "imagino que pra você esteja doendo, mas pra sua mãe deve estar doendo bem mais" (eu ouvi isso no velório do meu pai). Não há medida, não há régua, nem balança ou aferição;

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6) Por falar em régua, não meça as coisas com a sua régua. "Eu sei o que você ta sentindo" não existe. Cada família é uma família. Cada relação é uma relação. E cada indivíduo é um indivíduo. Sei que é difícil, mas busque não se transpor pra situação. Não é sobre você;

+
7) Não diga coisas como "mas você ainda pode casar de novo" ou "mas você ainda ta em idade de ter outro filho". Ninguém é substituível e, sobretudo, quem acabou de ver alguém amado morrer só gostaria de poder voltar no tempo e ter aquela pessoa de volta;

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8) Não invisibilize: se você conhece alguém cujo vizinho ou cachorro tenha morrido e esta pessoa está em sofrimento, não diminua. Se está doendo, está doendo. Sufocar aquela elaboração só vai impor mais feridas e, talvez, te afastar da pessoa que você achou que estava ajudando;+
9) Não faça juízo de valor da morte.
Se a morte já é tabu, o suicídio é o tabu dentro do tabu. Coisas como "que pena não tinha amor à vida, tão jovem e tão bonito, poderia ter sido mais grato".
+
"MAS O QUE EU POSSO FAZER, ENTÃO?"

1) Pode se mostrar aberto e disponível. Deixe claro que sabe que está doendo e que está disposto a saber como a pessoa está - genuinamente - se sentindo. Em vez de oferecer ajudas genéricas "qualquer coisa to aqui", diga que vai deixar as+
compras do supermercado na casa da pessoa, por exemplo;
2) Ouça. Para muitos que estão em luto faz bem falar sobre a pessoa que partiu. É um jeito de manter a memória viva. Não é porque você não está tocando no assunto que a pessoa não esteja pensando no ente querido que partiu;+
3) Ouça II: o mesmo vale para perdas recentes.Acontece de o enlutado querer repassar várias vezes td o que aconteceu(ex.: aquele dia no hospital,como foi qd soube da morte, o enterro acelerado).Falar em voz alta nos ajuda a elaborar e interiorizar aos poucos uma tragédia pessoal+
4) Fique na retaguarda: monitore a pessoa. Não a sufoque nem a negligencie. Nem todo enlutado precisa de ajuda psicológica, porque o luto é um processo natural e é possível que a pessoa tenha recursos próprios para lidar com tudo o que é decorrente daquela perda. +
Mas é importante se manter informado sobre quais caminhos podem ser tomados em caso de necessidade de apoio psicológico ou psiquiátrico. Em São Paulo, uma clínica especializada em luto é o Instituto Quatro Estações de Psicologia ( http://www.4estacoes.com/ ).+
No Rio, o Instituto Entrelaços ( http://www.institutoentrelacos.com/ ). Quem souber de outros atendimentos semelhantes em diferentes estados, comenta aqui, por favor. Além disso, recentemente o Instituto Vita Alere lançou, com apoio do Google, o https://mapasaudemental.com.br/  - com indicações de +
atendimento gratuito em todo o país. Nos últimos dias, também entrou no ar o http://cuidadoaoluto.com.br/ , de auxílio em diferentes frentes ao enlutado por Covid, inclusive com grupos de apoio. +
Precisamos, de vez, quebrar o tabu sobre a morte. Dizer que é "única certeza que a gente tem na vida" é só mais um jeito de evitar o assunto. Falar sobre morte não é tarefa de psicólogo, médico ou de quem acabou de perder alguém. É uma tarefa social. +
Ah!! E muito importante: luto não é só chorar e usar preto, embora também possa ser. Não julgue a dor do outro se ele não se comporta como você achou que deveria ou como você se comportaria se algo semelhante te acontecesse.
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