No meio de tantas notícias ruins, acabei de receber uma que me deixou bastante feliz: minha tese de doutorado em ciência política foi indicada aos prêmios Capes de Teses e de melhor tese defendida na UFMG!
Nunca consegui falar da minha tese por aqui, inclusive porque minha vida mudou bastante por conta dela, que nasceu praticamente junto do meu filho, o Rafael. Depois disso, me mudei para o Rio de Janeiro, terminei um e comecei outro pós-doutorado, me envolvi com vários projetos.
Mas acho que vale falar dela agora, quando muitas das oportunidades que tive (sobretudo de financiamento que me permitiu estudar) acabaram.

A tese chama-se A Política Distributiva da Coalizão, e ela pode ser encontrada neste link aqui: https://fmeireles.com/publication/politica-distributiva-coalizao-tese/tese_politica_distributiva_coalizao.pdf">https://fmeireles.com/publicati...
Minha pesquisa parte de uma constatação muito simples: a maioria dos municípios brasileiros enfrenta sérias dificuldades para implementar as políticas públicas que a população brasileira espera, como a construção de postos de saúde ou de estradas.
As razões que explicam isso são várias: municípios, especialmente os menores, têm orçamentos engessados; enfrentam problemas para lidar com a burocracia de investimentos; e, no mais das vezes, não podem contar com profissionais treinados para implementar políticas públicas.
O resultado é que um prefeito ou prefeita recém-eleito dificilmente conseguirá levar a cabo todas as políticas públicas que prometeu em campanha para a população. Vejam bem: são apenas 4 anos para treinar uma burocracia, fazer caixa, lidar com pressões locais e investir.
O que prefeitos fazem? Uma saída, que é a que eu estudei, é tentar se alinhar politicamente com o Governo Federal, que tem mais recursos e pode investir em diversas melhorias locais. Entre 1997 e 2016, a União destinou nada menos do que R$ 127 bilhões para municípios.
Nesse ponto, há uma série de pesquisas que mostra o seguinte: desses recursos que o Governo Federal destina (isso em vários países, não só aqui), boa parte é direcionada para municípios comandados pelo mesmo partido que ocupa a Presidência.
Vale dizer, quando um prefeito ou prefeita é correligionário do ou da presidente (ou de ministro ou ministra), seu município tende a ser beneficiado -- e, inversamente, municípios governados pela oposição tendem a ser penalizados.
Não é difícil juntar dois com dois. Para a maioria dos estudos como esse presidentes agiriam de forma eleitoral, distribuindo recursos (i.e., pork) para suas bases eleitorais como forma de penalizar a oposição local.
Minha tese defende outra teoria: a de que, salvo exceções, não são presidentes, tampouco ministros, que escolhem municípios para beneficiar ou punir com recursos. Na verdade, são prefeitos e prefeitas que se posicionam no sistema para captar recursos que seus leitores demandam.
Como municípios têm as dificuldades de fazer investimentos que já mencionei, são os prefeitos e prefeitas que buscam, ativamente, ajuda de parlamentares, ministros e mesmo da Presidência para realizarem obras. A demanda é que puxa a oferta.
Nesse sentido, prefeitos procuram especialmente ministros e deputados correligionários para pedir ajuda para conseguir investimentos federais -- ajuda como informações sobre como lidar com a burocracia, como resolver problemas nos sistemas federais, entre outros.
Quando muda o Governo Federal, ou quando um ministério passa da mão de um partido para outro, o sistema se reposiciona: prefeitos(as) prejudicados procuram outra fonte para obter recursos federais; se não conseguem, podem mudar de partido para voltar à base do Governo Federal.
Como ministérios foram tradicionalmente divididos entre partidos no Brasil, isso implica que cada um tem como ajudar seus próprios prefeitos a obter recursos. É isso que chamo de política distributiva da coalizão.
Combinando microdados governamentais desde 1997 com dados de filiação partidários dos ministros no Brasil, minha tese faz uso de alguns experimentos naturais (que, guardados certos pressupostos, nos permitem inferir relações causais) para testar esse argumento.
Em primeiro lugar, procuro mostrar que, sim, municípios governados pelo mesmo partido que ocupa um ministério recebem deste cerca de 30% mais repasses federais.
Segundo, que isso ocorreu em praticamente todos os governos desde 1997.
E na maioria dos ministérios que tivemos ao longo dos últimos anos.
Mais importante, mostro que não há evidência de que ministérios manipulam suas burocracias para beneficiar correligionários do(a) ministro(a). Antes, são prefeitos alinhados que buscam ativamente mais repasses e orientações junto aos seus partidos (incluindo deputados).
Quais são as implicações disso? A primeira, para mim a mais importante, é que a visão negativa que temos no debate público sobre investimentos federais nos municípios (especialmente sobre emendas parlamentares) se funda numa visão equivocada de como a política local funciona.
Municípios têm suas demandas e, como é legítimo em uma democracia, pleiteiam a ajuda de políticos(as) situados em outros níveis de governo para satisfazê-las porque não conseguem fazer isso sozinhos. Há incentivos institucionais que alimentam a política distributiva da coalizão.
Outra consequência é que, sim, a maioria dos partidos busca ocupar ministérios exatamente porque vê neles uma forma de ajudar seus prefeitos a obter recursos. O que ganham em troca? A ajuda desses mesmos prefeitos nas eleições gerais.
Para não me alongar mais, há uma última consequência importante desse arranjo: ele promove algumas distorções regionais na alocação de recursos.
Deixei passar algumas coisas anteriormente, mas vão agora. Primeiro, o resumo da tese, para complementar a thread:
Enfim, esqueci de reforçar o meu muito obrigado à banca de defesa (representada aqui pelo @brunopwr, único com twitter e que também foi quem mais me fez repensar as implicações da minha própria tese) e também ao ótimo departamento que é o DCP da UFMG.
Nunca tinha pensando na minha tese nesses termos, mas é um resumo alternativo possível dela: https://twitter.com/garridotiago/status/1265387287115948040">https://twitter.com/garridoti...
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