O problema de dividir a política entre esquerda e direita é que, para muita gente, esta é a única divisão possível. E se a única coisa que vc enxerga no debate público são direita e esquerda, vc não entende o Brasil de hj.

Hj há 5 grandes ideologias disputando espaço na praça.
De início, há duas esquerdas brigando. Ambas datam, no Brasil, dos anos 1920 e 30.

Uma tem o pé no marxismo. Um naco do PT, o PSOL, e vários outros grupos.

Outro traz o trabalhismo nacional-desenvolvimentista de Vargas. Ciro vestiu este manto.
Há conservadores democratas. É provavelmente difícil encontrá-los nitidamente em partidos políticos, mas alguns parlamentares do Novo podem, talvez, se encaixar ali. Quem lê @andreazzaeditor ou @alex_borges conhece a pegada.

Refutam o bolsonarismo e existem desde o Império.
Existem os liberais — é a ideologia mais antiga presente no Brasil. Estava nos Inconfidentes e Frei Caneca, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, o velho Ruy.

Das tradicionais, é ideologia que menos esteve na presidência em nossa história. Liberal, mesmo, só FHC.
Há liberais verdes na Rede, o Cidadania abriga muitos, há vozes como as de Armínio Fraga e @elenalandau. O discurso do ministro @LRobertoBarroso, ontem, era liberal no talo. Em geral tentam fazer a síntese entre rigor fiscal e agenda social.
E há este reacionarismo representado por quem está no governo. Alguns gostam de chamá-los de fascistas, e há traços, mesmo. Mas o Fascismo é uma ideologia modernista e, nos valores, essa gente no Planalto é pré-iluminista. Autoritários, anti-democratas, intolerantes, violentos.
Nenhum dos outros quatro movimentos políticos presentes no debate público coadunam com o bolsonarismo.

Uma frente ampla para enfrentar o atraso no governo tem de ser capaz de abarcar os quatro. Se um for excluído, não incluiu todos os democratas.
O problema é que todo mundo tem, como dizem os americanos, um machado por afiar. E ninguém é isento de culpas passadas.

Muitos liberais caíram no conto de que o Golpe de 1964 seria boa ideia para acelerar reformas.

Deviam ter seguido seu princípio: democracia é inegociável.
Mas os trabalhistas fizeram sua ditadura, em 1937.

Os marxistas também teriam feito a sua, se tivessem tido poder nos anos 1930 ou 60.

O PT (ñ só marxista) ainda não acertou a conta da escandalosa roubalheira do governo Lula e da aterrorizante inépcia administrativa do Dilma.
E os conservadores, no Brasil, demonstraram exacerbada tolerância por reacionários em seu meio. Ofereceram o ninho onde este movimento autoritário de hoje se formou.

Não é a primeira vez que oferecem este ninho... Fizeram o mesmo nos anos 1930.
Ninguém é limpinho, ausente de pecados. Mas isto é também da natureza da história. Porque não há pessoa ideologicamente pura, há românticos e desonestos em todos os grupos, gente pragmática e gente esperta.

Tudo parte do jogo.
Mas faria muito bem à qualidade do debate se ao menos pudéssemos reconhecer as credenciais democráticas de quem é democrata.

Todos têm frustrações passadas e, no jogo dos dedos apontados, sempre haverá uma resposta para qualquer acusação feita.
Quem acha que seu time é 100% limpo ou não conhece história, ou é ingênuo.

Além do quê, muitas cobranças de ‘autocrítica’ que grupos fazem uns pros outros não fazem sentido. Não é reconhecer um erro. É exigir que pessoas se desculpem por pensar diferentemente. Não vai rolar.
Se Jair Bolsonaro é fascista, como muitos defendem, devíamos aprender a lição de Barcelona.

A grande frente-antifascista, lá, ia de liberais a comunistas, incluía anarquistas e até um sobrinho do conservador Winston Churchill.
Se as pessoas realmente acreditassem que Bolsonaro ameaça a democracia, esta frente de fato ampla se formaria.

Só que não parecem acreditar. Estão mais preocupados em ferir uns aos outros para o pós-Bolsonaro.

Jogo jogado, política é assim. É só torcer para haver pós-Bolsonaro.
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