Em 1990 Bob Dylan veio tocar no Holywood Rock. Ele se hospedou em Copacabana e curtia dar uns rolés pelas ruas do bairro. Numa noite ele escolheu o Bolero, tradicional bar/boite/inferninho da Atlântica pra se sentar e ver o movimento.
Minha amiga (e cliente) Katherine Hilliard, que trabalhava na sucursal Rio da Time, estava no bar naquela hora. Grande fã de Dylan, Katherine se apresentou e Dylan, para surpresa de todos, a convidou a compartilhar a mesa que ocupava com seu produtor.
O papo rolava entre a fã e o ídolo quando apareceram aqueles malandros tocando pagode pros turistas. Dylan ficou amarradão, ouvindo com extrema atenção o que estava sendo tocado. Disse que estava especialmente bolado com a percussão.
Perguntou à Katherine se ela podia o ajudar a gravar com músicos brasileiros que faziam aquele som. A amiga disse que não manjava daquilo mas que conhecia alguém. I know a guy who knows a guy. . .
Naqueles tempos pré-celular as pessoas precisavam ir até o caixa do restaurante e pedir pra usar o telefone pra poder falar com alguém que não estava presente. Era bizarro. Bem, Katherine fez esse circuito e me ligou.
Me contou a historia, que eu demorei um pouco pra acreditar, achei que ela tava doidona, e me convocou pra ir imediatamente ao Bolero. Devo ter percorrido a distância Alto Leblon-Lido em menos de 15 minutos.
Chego lá, fico totalmente abobado na presença magnética de Dylan e nem pude me sentar. Eles já estavam indo embora. O homem me cumprimentou com um aceno de cabeça e o produtor dele começou a me dar as instruções do que o Bob queria. Tudo muito show business.
Eu não era produtor musical, era redator numa agência de propaganda, mas tinha alguma experiência e alguns contatos entre músicos. Mas é óbvio que menti dizendo na caradura que era produtor musical fulltime e muito experiente. Combinamos o meu cachet (US$ 2k) e eles saíram fora.
Bob queria se reunir com percussionistas para gravar umas fitas, o que demandava um estúdio profissional e arregimentar os músicos. Liguei pra um conhecido, o percussionista Leo Leobons, pra me ajudar a juntar a galera. Se não fosse o Leo a gig não rolaria.
Nesse meio tempo Bob Dylan deu um perdido em toda a imprensa carioca que estava atrás dele. Em segredo ele foi pra uma pousada em Itaipava e só reapareceu pra fazer essa jam, que rolou no Tok estúdios, do Chico Batera, que ficava na São Clemente, na frente do Metrô.
No dia marcado estava todo mundo lá, menos o Bob. Geral esperando o cara chegar e o produtor do Bob disse como ia ser o negócio. Bob não queria que ninguém falasse com ele e nem tirasse fotos. O estúdio teria que ficar fechado, ninguém entrava. Beleza, vamos em frente.
Bob chegou, deu um alô geral pra rapaziada, pegou o aço e começou a tocar. Leobons foi fulcral nesse processo, era o único dos músicos que falava inglês e começou a trocar ideia com Dylan e a coisa começou a fluir. Nada de canto, só levadas de viola e batuque feroz.
A gig levou horas, eu fiquei lá de esparro geral, providenciando comida, bebida e cigarros. E conversando com o personal trainer do Dylan, um cara que ostentava um titulo bizarro: era o boxeador recordista de nocautes no mundo. Isto e, era o boxeador mais nocauteado do mundo.
A umas tantas horas da noite o porteiro do estúdio me chama na porta. Tinha um gringo querendo entrar e ninguém entendia o que ele tava falando. La fui eu pro desenrole. Falo com o gringo e digo que Bob tinha determinado que ninguém podia entrar.
O gringo, muito educado, me pede pra fazer o favor de avisar ao Bob que ele estava na porta. Eu concordei, perguntei o nome do cara. Aí a humilhação. Era o Dave Stewart do Eurythmics e eu não o tinha reconhecido. Que mancada! Lógico que era pra ele entrar, o Bob tinha convidado.
Gafe contornada, Dave se junta ao grupo, nego ficou tocando lá um tempão até o fim da session. Alguns músicos quebraram a regra e pediram fotos com Bob, ele tirou numa super boa e foi simpaticão com todos. Eu não tinha levado máquina, fiquei na inveja.
O produtor pediu os rolos de fita, me deu a grana pra pagar a galera (um envelope recheado de verdinhas) e fim do sonho. Fui honestão e não fiz nenhuma cópia do que foi gravado. Bob foi pro hotel, no dia seguinte deu um showzaço na Apoteose. Fim do conto de fadas.
Apesar do orgulho infinito de ter participado marginalmente desse evento musical, não costumo explanar essa história. Porque quando eu conto quase ninguém acredita. Mas como hoje é aniversário do Dylan, vale a confissão.
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