Agora, com mais calma, irei nessa thread comentar cada ponto que eu julgar importante na reunião ministerial de 22 de abril.
Comecemos destacando o posicionamento de Sergio Moro. Ele está à esquerda de Jair Bolsonaro, logo após Hamilton Mourão.

A reunião foi convocada por Braga Netto para discutir como os outros ministérios poderiam ajudar no plano de "retomada" de uma pandemia que ainda engatinhava.
De cara, solucionamos o mistério sobre o slide “quem é o culpado”.

Braga Netto reclama que o governo vinha se focando em quem seria o culpado. Mas deveria se focar no que pode ser feito para solucionar a crise econômica e sanitária.

No que está certo.
Na sequência, Netto explica que a retomada viria do programa Pró-Brasil. Mas ele tem só uma vaga ideia do que pretende atingir. No caso, envolver todos os ministérios na elaboração de um trabalho que duraria dez anos. Esse plano nasceria de um grupo de trabalho ainda a se formar.
A fala seguinte é de Paulo Guedes, e ele já abre uma divergência. Diz que não para chamar de plano Marshall, reclama que o desenvolvimentismo proposto por Braga seria uma volta de 30 anos no tempo, seria cometer erros que Dilma já cometeu.
E reclama que vazaram para a imprensa um plano deturpado. É quando, aos 13 minutos, vem a primeira intervenção de Bolsonaro, na qual sugere que os ministros simplesmente parem de falar com a imprensa.
(Paulo Guedes era o único usando máscara, mas a retirou para se pronunciar. Estão todos próximos, ninguém está nem aí para distanciamento social.)
A fala seguinte é de Onyx Lorenzoni. E, bom, em resumo, ele disse que, lá fora, o governo Bolsonaro conseguiu fazer com que o Brasil voltasse a ser olhado com respeito.

Ok.
Ao criticar o desenvolvimentismo de Braga, Guedes havia dito que a solução precisaria vir de investimento privado. É o que Rogério Marinho ataca no microfone. Basicamente, ele diz que é para Guedes deixar o liberalismo de lado, pois mesmo as nações mais liberais estavam deixando.
Vem então a fala em que Ricardo Salles entrega que não está a serviço do Meio Ambiente, mas do agronegócio. E vê na pandemia uma oportunidade para levar a legislação ambiental a pó — o que há de espantar investimento estrangeiro do Brasil.
Na fala seguinte, Bolsonaro dá a entender que tinha com ele o exame negativo pra covid-19 que ele só entregaria três semanas depois.
Vem então a primeira fala mais complicada de Bolsonaro. Após garantir que não teria interesse em golpe militar, e que teria discursado diante de placas sobre novo AI-5 apenas por ser comandante das Forças Armadas, ele reclama não estava sendo informado...
E, ao contrário do que alegava, cita a PF, cita a ABIN, cita a inteligência das Forças Armadas. E garante que vai interferir todos os ministérios. O interesse é tão nítido em vazamentos que ele cita o exemplo do pai escuta o que o filho faz por trás da porta...
É o primeiro recado pra Sérgio Moro, aqui cortado no que Bolsonaro começa a falar sobre como o serviço secreto chinês trabalha, o que é mais um sintoma das pretensões do presidente.
Na sequência, o vídeo está bem picotado. Mas é possível perceber quando Bolsonaro fala da China, e quando fala dos Estados Unidos. Ele explica, então, o que faz com que cole nos americanos, mesmo com a China como principal parceiro comercial.
Era de fato algo que eu já temia. A ideia é transformar o Brasil numa espécie de Israel, visto como um problema para a diplomacia de muitos países, mas que segue tocando uma agenda própria e polêmica se garantindo na proteção que recebe dos americanos...
Confiram:
É nesse contexto que vem a “bala de prata”. Bolsonaro estava falando de PF, de ABIN, de Forças Armadas, de espionagem chinesa, de pai espionando filho, de aliança com os EUA.

Ele então diz que vai interferir, encara Sérgio Moro, e ponto final.
O interesse de Bolsonaro em interferir na PF é tão cristalino que, ainda na mesma argumentação, ele cita como um bom exemplo o episódio em que interferiu no INMETRO. Notem o verbo que ele escolheu para descrever o que fez no INMETRO.
O interesse em parar investigações fica ainda mais nítido no exemplo seguinte, quando Bolsonaro lembra que interferiu no trabalho do IPHAN para beneficiar Luciano Hang.

Essa fala é ainda mais clara das intenções de Bolsonaro.
"O que é que tem que fazer? Alguém no IPHAN que resolva o assunto."

O que é que tem que fazer com os serviços de informação? Alguém na PF que resolva o assunto?
É aqui que Moro desperdiçou a chance de se mostrar grande. Poderia, na frente dos ministros, mostrar que o que o chefe estava exigindo era ilegal, ia de encontro ao prometido por toda a campanha e prometido inclusive a ele ao ser convidado, no entanto...
...O ainda ministro da Justiça usou o microfone para uma breve fala sobre como o Pró-Brasil deveria destacar a redução nos índices de violência, e que isso melhorava o ambiente de negócios, enfim... Ignorou a fala criminosa de Bolsonaro, e ainda deu uma ideia descolada do plano.
Só aos 48 minutos de uma reunião cujo objetivo era tirar o Brasil do buraco em que se meteu por causa da pandemia, o ministro da Saúde recebe o microfone para falar.
A fala de Nelson Teich, no entanto, dura apenas 2 minutos e 10 segundos, na qual ele diz que primeiro tem que estudar a pandemia, depois tem que construir a estrutura necessária, e só então se faz necessário estudar uma saída do isolamento social.
É quando Jair Bolsonaro reclama que o comandante da Polícia Rodoviária Federal lamentou em nota a morte de uma policial por covid-19, mas ignorou possíveis comorbidades que a vítima tinha. Ou seja... Estava mais preocupado com a narrativa.
Na sequência, também em fala curta, Tarcísio se pronuncia. Mas só causa estranheza por soar uma pessoa normal no meio de uma reunião de lunáticos.

O mesmo não se pode dizer do palestrante seguinte...
(Quer dizer... Tarcísio se despediu comparando Bolsonaro a Churchill e Roosevelt, mas deixa eu ignorar isso, por favor.)
Aí vem o presidente da Caixa, fala que a Band pediu dinheiro, chama home office de frescura, conta vantagem de ter tirado 7 milhões de pessoas de casa, e reclama que a filha de um amigo não recebeu tratamento diferenciado da polícia.
Na sequência, ele comenta que vai findar preso. Eu sinceramente espero que a história o convide a explicar como a curva de casos de covid-19 cresceu tanto justamente após o pagamento caótico do auxílio emergencial da parte da Caixa Econômica.
Ignorando que o próprio Bolsonaro já havia entregue que a aliança com os Estados Unidos visa a se blindar de crises internas, Ernesto Araújo usou o microfone para dizer que está se alinhando das 5 nações que devem definir o que será o mundo ao término da pandemia. Ok.
Em seguida, representando a ala minoritária dos adultos na sala, Roberto Campos Neto pondera que a preocupação de Guedes é válida, mas se coloca ao lado de Rogério Marinho, ou seja, de que o governo precisa financiar o que está por vir.
Aí vem Damares Alves. Ela reclama que há funcionários pró-aborto no Ministério da Saúde. Depois, sem apresentar provas, diz que estavam tentando infectar índios de propósito para jogar a culpa em Bolsonaro. Mas que fez uma operação sigilosa para impedir isso.
E diz que vai pedir a prisão de prefeitos e governadores que estariam infringindo direitos humanos ao deter quem sabotava o isolamento social.
Curiosamente, Marcelo Álvaro tem uma fala interessante. Porque o Turismo é talvez o setor mais impactado com a pandemia. Então é importante a ajuda do Estado, e o debate sobre os resorts que poderiam trabalhar como cassinos.
Eu gosto da ideia pensando que pode ser uma boa saída para localidades mais remotas. E de repente um cassino ajudaria a desenvolver a região. Mas sei que o plano consiste em trazer para o Rio de Janeiro. E pelas mãos de Flávio Bolsonaro.
Marcelo Álvaro, que também não soa o padrinho ideal da coisa, convida evangélicos, Polícia Federal e Ministério da Justiça para construir o projeto juntos. Acho válido. Mas Damares responde que aquilo seria fazer um pacto com o diabo (eu ri).
Aí vem Abraham Weintraub com a fala nojenta e golpista que todos vocês viram. Posso acrescentar, contudo, que a proposta era apresentar ideias para uma retomada econômica. Alguns apenas contaram vantagem do que fizeram. Mas...
...Mas o ministro da Educação, senhor de um dos orçamentos mais caros da Esplanada, chegou com nada. Não tinha uma única vantagem para contar, nem uma única ideia para colocar da mesa. Daí vomitou um chilique. E incendiou o presidente a falar mais besteira.
Para efeito de registro, o trecho mais polêmico da fala de Weintraub, que foi inteiramente controversa.
Para entender a próxima fala de Bolsonaro, essa nota de O Antagonista ajuda. Três dias antes, Bolsonaro soube que Rodrigo Maia, Alcolumbre e membros do STF se reuniram numa madrugada para discutir impeachment. Moro negou que o encontro tivesse ocorrido.
https://www.oantagonista.com/brasil/a-chave-para-entender-a-demissao-de-moro/?desk
Weintraub vinha reclamando que a elite em Brasília não entendia os anseios do povo. Bolsonaro concorda. E cita que essa tal elite estaria se reunindo nas madrugadas em Brasília. É quando cita o tal sistema de informação próprio, que estaria em pleno funcionamento.
Confiram:
Fiquei com a sensação de que Bolsonaro achou que Moro sonegou a informação por estar alinhado com quem queria o fim desse governo. E, de fato, vinha rolando um papo de que Guedes e Moro e ala mais técnica da Esplanada estava contra a conduta genocida deste governo na pandemia.
Lembro também que foi nesse 19 de abril que Bolsonaro protagonizou aquele discurso golpista em frente ao Exército. Imagino que já tenha sido em resposta a essa informação que recebeu da ABIN paralela.
É nesse contexto da fala do sistema de informação próprio, aquela arapongagem que flagrou até conversa de membro do STF com presidente do Congresso, que ele fala em proteger a família, ou trocaria o ministro.
Para compreender a próxima fala de Bolsonaro, é preciso antes considerar que estamos lidando com pessoas que, até hoje, veem um golpe militar de 1964 como algo que teria preservado a democracia no Brasil. Tanto que Bolsonaro ontem mesmo estava de novo citando Roberto Marinho.
Também vale lembrar que os bolsolavistas vinham trabalhando a narrativa de que governadores e prefeitos vinham se portando como ditadores. E que só Bolsonaro convocando o Conselho da República poderia impor a vontade do Planalto sobre todo o resto do país.
Portanto, quando Bolsonaro fala em armar a população contra prefeitos e governadores, ele não está defendendo a democracia, cujo poder finda dividido entre várias instituições democráticas. Ele, na verdade, quer uma milícia armada que possa junto com ele atacar que se opor a ele.
Confiram:
Na sequência, não vou colar aqui, mas Bolsonaro entra na fase anal da conversa, fala em hemorroida, bosta, xinga prefeito, governador, conta um monte de mentira, e reclama de ministro que é homenageado por blog.

Era mais uma referência a Moro, sempre elogiado no Antagonista.
Paulo Guedes então pede a palavra, tentar jogar panos quentes, fala da importância de manter diálogo com o establishment, mas Moro se levanta, cochicha algo no ouvido de Bolsonaro, recebe um joinha, e sai.
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