...”absurdo trabalhar na quarta-feira de cinzas”

Eu só pensava nisso enquanto andava em direção ao Terminal, as ruas vazias chega dava medo.

Dentro do terminal havia um bar. Felizmente ficava longe do meu caminho, pois parecia ter acontecido alguma confusão braba ali.
Fique de longe observando os gritos, gente mandando chamar ambulância, quando um homem começou a me encarar do meio da confusão.

Ele era medonho, tinha os olhos arregalados e andava lentamente em minha direção.

Apesar de assustador, tive a impressão de que o conhecia.
Tirando a confusão no bar, o terminal estava completamente vazio.

“Culpa do carnaval” pensei.

Foi quando caiu a ficha: e se aquele homem viesse me assaltar? Ou me agredir?, sei lá. O bar era barra pesada, sempre foi, e aí começou a me dar um nervoso...
O cara veio e ficou em pé ao meu lado, me encarando como se me estudasse, até que cansou e sentou, sempre me olhando fixamente.

Eu torcia para que meu ônibus chegasse logo.

Ia andar só uma parada e depois caminharia para casa. Queria acabar com aquela situação bizarra.
Mas, antes disso, chegou outro ônibus e o cara estranho, dando um pulo, entrou e sumiu no veículo que logo partiu.

Fiquei aliviado, ainda mais porque o ônibus dele ia para o lado contrário.

E logo logo chegou o meu, e a noite parecia se ajeitar.
Minutos depois, quando desci na próxima parada, meu coração quase sai da boca.

Sentado ali, me encarando com os mesmo olhos de dor e raiva, estava aquele homem!

Era impossível. Ele subiu no ônibus que ia para o outro lado. Ele não podia estar ali.

Resolvi engrossar.
- Sim, qual a tua? Tá me seguindo?

- Eu nem me mexi.

- Eu vi você subir no 87 que vai pra Zona Norte. Vi você sair do Terminal.

- Eu não sai do Terminal. Nem me mexi.

Parecia provocação.

O sangue subiu. Quando já me preparava para brigar, algo estranho aconteceu...
Olhei melhor ao redor e percebi que também não me mexi.

Eu também ainda estava no Terminal, de volta ao mesmo Terminal de onde tinha acabado de sair.

Tudo aconteceu como um flash. Num momento, na próxima parada; noutro, de volta ao Terminal.
Ainda num flash, quando olhei, o homem não estava mais ali.

No meio da confusão do bar, distante, o homem estava de pé olhando de forma inconsolável algo que jazia no chão.

Aí alguém sussurrou no meu ouvido:

- Foi infarto...

Era o homem, novamente ao meu lado, que falava.
Comecei a me desesperar!!

Era alucinante aquilo, como se estivesse porre ou sob efeito de drogas, uma noite de visões e alucinações.

E, antes que pudesse cair em desespero, antes que um grito saísse da minha garganta, o homem disse:

- Agora é tua vez.
E entrou no Terminal um ônibus em alta velocidade, aparentemente descontrolado, vindo assustadoramente em minha direção, e antes que pudesse me mover, ele subiu na calçada, destruiu o teto, quebrou bancos, derrubou paredes e me atingiu em cheio.

Só tive tempo de fechar os olhos.
E quando os abri, só havia silêncio e escuridão.

Eu continuava de pé no Terminal, mas estava tudo em escombros.

Luzes apagadas, cheio de poeira e com uma faixa cercando o perímetro, onde se lia: “manter distância”.

Comecei a chorar e a gritar, um desespero que vinha d’alma.
Do nada, aquele homem estranho também estava ao meu lado gritando e chorando, e se arranhando e dizendo NÃO NÃO PODE SER NÃO!

Não achei aquilo estranho.

Pelo contrário: como se não pudesse fazer diferente, fazia a mesma coisa.
Gritávamos, berrávamos, barulhos que vinham de outro mundo! Nos arranhávamos, feríamos nossos rostos em desespero, uma dor lancinante como se a queimar! Encostei as costas numa cerca de metal que cercava a área e batia nela fazendo barulho, e chutava as pedras e berraaaaava...
Foram eternos aqueles poucos minutos. Não tinha mais o que chorar, enquanto o homem me encarava, agora rindo como um louco:

- Por isso que dizem que esse Terminal é assombrado - e saiu andando no meio de uma risada horrenda, batendo nas portas de metal das lojas.
Ainda chorei, chorei muito, acocorado no chão sujo do Terminal destruído.

Eu lembrava de ter pegado o ônibus, lembrava de ter descido na próxima parada, estava tão perto de casa... ou nada daquilo tinha sido real?

O ônibus vindo em minha direção, me colhendo...
...e aquele estranho, desconhecido vagamente lembrado... infartado logo ali, perto de mim, dois mortos no mesmo Terminal... que azar!

Mas eu não morri! Não é possível! Não morri.

Ainda gritei por um longo tempo, até que fechei os olhos e acho que dormi. E quando abri, bem...
...“absurdo trabalhar na quarta-feira de cinzas”

Eu só pensava nisso enquanto andava em direção ao terminal, as ruas vazias chega dava medo...

Fim
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