atendendo a pedidos, vamos ao fio sobre a Tetralogia Napolitana, abordando o fato da Lenu não apenas ser uma narradora não confiável, como uma má amiga.
aviso: são as minhas impressões, não a ver com gostar mais da Lilla ou da Lenu, se identificar com uma outra.
aviso: são as minhas impressões, não a ver com gostar mais da Lilla ou da Lenu, se identificar com uma outra.
o meu ponto é que a Ferrante é uma gênia e e Tetralogia nos envolve com os personagens, as reviravoltas, o fundo histórico do pósguerra, a criação da Máfia, o feminismo e a política na Itália e questões de classe, os livros também são uma reflexão sobre o ato de narrar
'A amiga genial' começar com o recurso de uma moldura narrativa. Ficamos sabendo que a Lilla não apenas desapareceu, como também apagou todos os vestígios de sua existência: documentos, roupas, fotografias com sua imagem. Lilla se apagou deliberadamente.
se pensarmos que Elena Ferrante é um pseudônimo de uma autora italiana que afirma que o importante é a obra e não sua vida, num tempo de celebridades, biografismos e autoficções, gosto de pensar que a Lilla e sua busca pelo apagamento dialoga justamente com a escolha da Ferrante
muita gente entra numa associação de Elena Greco, a narradora, escritora traria em suas história elementos que dialogam com a vida da escritora Elena Ferrante, quando Lilla e sua desaparição tem tudo a ver com a performance da autora que se esconde em plena vista sob o pseudônimo
então, vamos lá: Lenu, nossa narradora, fica sabendo que sua amiga desapareceu e sua reação é ficar furiosa e escrever a história das duas. No fim do texto, Lenu diz algo do tipo "vamos ver quem ganha dessa vez"
já temos aí um indicativo de que essa não é uma amizade pacífica
já temos aí um indicativo de que essa não é uma amizade pacífica
Lenu diz que ela e Lilla não se falam há anos - o motivo só é revelado no quarto livro e chegarei lá - mas se prestarmos atenção logo no início do livro 1, já notamos que o gesto de Lenu de contar uma história para "não deixar a amiga desaparecer" é visto como uma disputa
narrar não é algo neutro e é uma manifestação de poder. desde sentar para escrever um livro, passando por ter tempo para definir um ponto de vista, organizar a cronologia. narrar pressupõe dispor de recursos materiais, intelectuais e de credibilidade
quando a Lenu narra para impedir a Lila de desaparecer, isso é um gesto de poder, ela desrespeita a vontade da amiga e ela constrói uma narrativa mostrando o tempo todo o quando admirava, amava a Lilla, mas se observamos bem, a Lilla era sempre uma ilusão a ser perseguida
desde que a Lenu consegue realizar seus sonhos: deixar a vizinhança, fazer universidade, sair de Nápoles, tornar-se uma escritora respeitada, em tudo ela procura se medir com "o que a Lilla seria se tivesse as mesmas oportunidades". Mas a Lilla não teve, e se ferrou muito na vida
a Lenu não apenas é incapaz de ser feliz e agradecida por ter conseguido tudo o que queria, inclusive aquele asqueroso do Nino Sarratore, como ela encarou a vida dela inteira como uma outra polaridade da vida da Lilla. como se elas alternassem negativo/positivo, luz/sombra
mas para mim o mais significativo de que a Lenu via Lilla como uma fantasia, uma figura de projeção, que pra era seu amor, sua amiga, o que ela queria ser e o que ela tinha medo de se tornar é no livro 4 quando ela não tem o menor escrúpulo de posar com a filha da Lilla como dela
aquilo não só é o máximo da inveja, mas a tentativa de se apropriar do que de algo que era intimamente da Lilla, aquela filha amada que tinha devolvido a alegria de viver para a amiga. e a Lenu, em sua vaidade, não prestou atenção na menina e perdeu a criança.
a Tetralogia é a Lenu tentando estabelecer uma versão dos fatos em que ela não foi tão negligente assim, e que o livro que ela escreveu sobre a filha perdida da Lilla não foi para recuperar a relevância como escritora, não foi toda essa traição e violência usar a dor da outra
ou seja: a Lilla pediu "prometa que nunca vai escrever sobre mim" e a Lenu quebra a promessa e escreve sobre a coisa mais devastadora que aconteceu na vida de uma mulher que sofreu horrores, e não satisfeita de ter feito uma vez, ela vai lá e faz outra vez.
então, a Tetralogia Napolitana, em sua existência, é mais uma das muitas violências que a Lilla experimenta em sua vida. Até o direito de desaparecer lhe é recusado. Lenu é uma excelente narradora, mas uma boa filha da puta.
podemos gostar das duas? sim. Isso é irrelevante. fim.
podemos gostar das duas? sim. Isso é irrelevante. fim.