Vocês pediram, eu faço: segue abaixo fio sobre a grande dama da literatura brasileira
Senhoras & senhoras, LYGIA FAGUNDES TELLES, que no próximo 19 de abril faz 96 anos, um dos maiores escritores brasileiros vivos
Em 19 de abril de 1923, na rua Barão de Tatuí, centro de São Paulo, Lygia de Azevedo Fagundes, quarta filha de Durval e Maria do Rosário. Brincando com o local do nascimento, seu pai gostava de chama-la de “Baronesa de Tatuí”.
Na foto, Lygia aos dois anos e os pais.
Na infância, Lygia costumava ouvir histórias de crianças vizinhas e pajens empregados pelos pais. Em 1931, já alfabetizada, começa a escrever, nas páginas finais de seus cadernos, as suas próprias histórias, que irá contar em casa.
O pai jogador a levava a casa de jogos para "dar sorte". Ela compara o jogo à literatura ao relembrar o episódio em entrevistas: “tudo isso é um jogo, não é? Se este livro não der certo, não vou arrancar os cabelos. O outro dará. Lembro do meu pai: amanhã a gente ganha. É o jogo”
Em 1938, aos 15 anos, publica o primeiro livro, “Porão e sobrado”, em edição paga com a mesada que ganhava do pai. Na capa, assina como Lygia Fagundes. Tanto esse livro como o seguinte, “Praia viva”, de 1944, são considerados mortos pela escritora, e não têm mais exemplares.
Em 1940, ingressa na Escola Superior de Educação Física. Em 1941, inicia o curso de Direito da USP. Diz: “Sabia que nunca poderia viver só de literatura. Então precisava de profissões que me rendessem o bastante para viver [...] sem depender de ninguém – inclusive de marido."
Começou a entrar no círculo literário muito cedo, chegando a ter contato com escritores influentes como Mário de Andrade e Cecília Meireles (foto, 1945). Ela conta sobre seu encontro marcante com Mário no relato “Durante aquele estranho chá”.
No livro “Durante aquele estranho chá”, Lygia relata as tantas amizades que nutriu com personalidades importantes, como Simone de Beauvoir e Sartre. Ela é uma das pessoas mais bem relacionadas da literatura do século XX, nos próximos tweets vou falar um pouco das suas amizades.
Uma das melhores amigas de Lygia foi a também escritora Hilda Hilst (1930-2004). As duas se conheceram devido à Faculdade de Direito e foram amigas até a morte de Hilda. O afeto entre elas era tão profundo que Hilda dizia querer morrer de mãos dadas com Lygia.
(amo essas fotos)
Na foto, Lygia com Clarice Lispector e o poeta uruguaio Antonio di Benedetti. As duas foram amigas íntimas. No lançamento de “O Seminário dos Ratos” no Rio (1977), poucos meses antes de morrer, Clarice entrevista Lygia e a descreve como “um dos maiores escritores brasileiros”.
Lygia e o grande escritor argentino Jorge Luis Borges também foram grandes amigos, trocando textos e sugestões de leitura. Na foto, os dois na capital paulista em 1970.
(Cc @VanaAlemoa)
Drummond também foi um de deus grandes amigos, ela o considerava um dos poetas maiores que já tivemos no Brasil, e ele dizia que ela era um dos maiores contistas.
Na primeira foto, os dois em 1958. Na segunda, desenho que Drummond fez de Lygia, onde ele assina “Carlos”.
Manuel Bandeira e Lygia, além de muito amigos, ambos são de 19 de abril. Sobre isso, Bandeira escreve em 1955:
Nós dois – Lygia e eu, seu mano,
nascemos no mesmo dia,
mas não, hélas! no mesmo ano.
Digo com melancolia.
No entanto ela é que está triste!
Já se viu? Não vi! Já viste?
Saramago, sobre ela: “mesmo que conseguisse determinar [...] o minuto em que apareci a Lygia pela primeira vez ou ela me apareceu a mim, estou certo de que uma voz haveria de sussurrar-me de dentro: A tua memória enganou-se nas contas. Já a conheces. Desde sempre que a conheces”
Agora voltando à linha do tempo.
Muito politizada, participa, desde estudante, da vida política do país. Em 1945, participa de uma passeata contra o Estado Novo de Getúlio Vargas, ao lado dos colegas da Faculdade de Direito.
Casa-se, em 1950, com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., que havia sido seu professor na Faculdade de Direito e era, na época, deputado federal pelo Partido de Representação Popular. Passa, a partir daí, a assinar Lygia Fagundes Telles.
Na foto, com o marido e o filho.
Em 1952, começa a escrever o romance “Ciranda de Pedra” na fazenda Santo Antônio, da família Silva Telles, que sediou várias reuniões modernistas na década de 20, contando com a presença de Tarsila do Amaral, Mário e Oswald de Andrade, Anita Malfatti e outros.
Publica, em 1954, “Ciranda de Pedra”, considerado pelo crítico Antonio Candido o romance no qual a autora atinge a sua maturidade literária. É, até hoje, um de seus livros mais lembrados e analisados.
Em 1960, separa-se de Goffredo. Em 1963, começa a viver com o intelectual Paulo Emílio Salles Gomes e inicia a escrita de “As Meninas”, romance inspirado no momento político do Brasil, tematizando as atrocidades do regime militar.
Em 1970, lança os contos “Antes do Baile Verde”, que recebe, na França, o Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros. Na foto, a primeira edição do livro.
Em 1973, lança “As Meninas”, que passa pela censura pois foi julgado como “livro de mulherzinha” pelo censor, que não terminou de lê-lo (HAHAH). O livro ganha todos os prêmios literários importantes do país: Coelho Neto (ABL), Jabuti (Câmara Brasileira do Livro) e o da APCA.
Extremamente contrária ao regime militar, em 1976 integrou uma comissão de escritores que foi a Brasília entregar ao Ministro da Justiça o famoso “Manifesto dos Mil”, veemente declaração contra a censura e que foi assinada pelos mais representativos intelectuais do Brasil.
Após a morte de Paulo Emílio (com ela na foto) em 1977, Lygia assume a presidência da Cinemateca Brasileira, que o marido ajudara a fundar. Ela permanece na entidade até meados dos anos 80.
A Rede Globo, em 1981, exibe uma adaptação de “Ciranda de Pedra”, na qual Lucélia Santos faz o papel de Virgínia. Em 2008, faz outra versão (foto). Outras adaptações de sua obra: "Era uma vez Valdete" (dentro da série Retratos de Mulher, de 1993) e o filme "As Meninas" (1996)
Em 1982, é eleita para a cadeira 28 da Academia Paulista de Letras. Em 1985, é eleita para ocupar a cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras (foto), na vaga deixada por Pedro Calmon e cujo patrono é o poeta Gregório de Mattos.
Em 1994, representa o Brasil na Feira do Livro de Frankfurt. Na foto, ela na feira ao lado de Caio Fernando Abreu, grande escritor brasileiro que faleceu um ano depois, por decorrência do vírus HIV.
Lygia continuaria a publicar contos e romances, sendo continuamente premiada. A consagração maior vem em 2005: Prêmio Camões, maior honraria da literatura em língua portuguesa.
Na foto não dá pra ver bem, mas ali atrás é o Lula, que endossou a vertente humanista da escritora.
No ano passado, saiu pela Companhia das Letras a reunião completa de seus contos. Recomendo veementemente a leitura de todos, sobretudo das obras-primas “Antes do pôr-do-sol”, “Senhor Diretor” (meu preferido, o analisei num ensaio), “Antes do Baile Verde”, e “A caçada”.
Por fim, queria fechar com a belíssima resposta dela à entrevista do @IMS, toda vez que leio em voz alta pras minhas turmas, choro.

Essa certeza de que posso servir ao próximo, essa esperança, não vai desaparecer enquanto eu for viva. No fundo, a literatura é uma forma de amor.
A maioria das informações estão no Cadernos de Literatura Brasileira: Lygia Fagundes Telles (IMS, 1998).
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