Ok, essa história é meio cruel, mas mesmo assim é bem interessante.
Levou quase 300 anos para a Tartaruga Gigante ganhar seu nome científico oficialmente (Geochelone).
Isso aconteceu por cause uma qualidade específica delas...

Acontece que as Tartarugas Gigantes eram comestíveis.
Elas eram comestíveis DEMAIS.

Aparentemente elas eram tão deliciosas que nenhuma das que eram levadas para os navios durava até chegarem na Europa.
Elas eram comidas no caminho. Todas.

Isso é uma #mithreadlogia sobre como certos impulsos as vezes são mais fortes que a nobreza do objetivo científico de pesquisa

De acordo com os relatos através dos séculos, as tartarugas gigantes eram a criatura mais comestível já encontrada.
Os exploradores do século XVI compararam a carne delas com frango, bife, cordeiro, até manteiga, mas só pra dizer o quão MELHOR era o gosto de tartaruga gigante.

Uma tartaruga alimentava várias pessoas de uma vez, e tanto a carne quanto a gordura dela eram perfeitamente digestíveis, não importando o quanto você comia. Até o fígado e a medula delas eram saborosos, aparentemente

E ainda usavam o óleo de gordura de tartaruga como remédio contra gripes, cólicas, indigestão, e todo tipo de "humores"
Curiosamente a maioria dos marinheiros hesitava em provar carne de tartaruga, porque achavam o animal feio, mas depois que provavam... caminho sem volta

Eles também usavam as tartarugas até como galões de água.
Yep, isso mesmo.
Uma tartaruga gigante pode beber vários litros de água de uma vez só, e a água é armazenada em uma bexiga especial que a mantém basicamente potável.

A caça a baleias em larga escala que rolou no século XIX só foi possível porque cada baleeiro levava um monte de tartarugas gigantes a bordo como mantimentos (as vezes empilhadas), e isso deixava que ficassem em alto mar por semanas.

(dá pra ler um pouco sobre a relação das tartarugas e os baleeiros aqui http://mysite.du.edu/~ttyler/ploughboy/townsendgaltort.htm )

Um outro detalhe é que essa caça desenfreada as tartarugas gigantes ajudou na extinção do Dodô
(não que dê pra chamar de caça, né? Não é como se as tartarugas fossem super difíceis de se pegar)

O Holandês que chegou nas Ilhas Mauricio em 1598, o almirante Wybrand van Warwijck, chamou os Dodôs inicialmente de 'Walgvogel' ("Pássaros Nojentos"), porque o gosto deles era tão horrível que nem gente passando fome conseguia comer.

Mas aí descobriram que a carne de Dodô ficava 'passável' se usassem óleo de tartaruga gigante, que encobria totalmente o gosto do Dodô. Diziam que era "mais eficaz que o óleo de oliva" pra mascarar os sabor. Era o Heinz deles.

Tem registros de terem levado mais ou menos 14 TONELADAS de tartarugas para um navio em só 4 dias.

E embora as tartarugas gigantes sejam mencionadas nas notas do Darwin durante as viagens, tirando um filhote que ele pegou pra ser animal de estimação, ele não levou nenhuma tartaruga gigante pra Europa pra classificação taxonômica, viva ou morta

Assim, ele e a tripulação Beagle de fato pegaram umas 48 tartarugas... mas eles comeram todas antes chegarem na Inglaterra.
Imagina só eles pensando "então... só mais uma né? Não pega nada... é a ultima, eu juro. Agora é a ultima. Só mais uma, de saideira aqui..."

E as notas do Darwin sobre elas durante a viagem eram basicamente sobre o gosto.

O fato é que o Darwin tinha histórico em comer todo tipo de bicho. No caso dele não era só curiosidade científica, era gastronômica também.

Quando ele estava em Cambrige, ele fazia parte do "Gourmet Society", também chamado de "Glutton Club", um grupo que se encontrava toda semana para seguir com seu objetivo de comer animais diferentes e que não seriam encontrados em menus de restaurante.

Coisas tipo... gavião, garça, coruja, texugo...

Aliás, quando comeram coruja-do-mato, aparentmente não gostaram. O Darwin escreveu que o gosto dela era "indescritível"

Uma vez o Darwin passou muito tempo procurando por um tipo específico de Ema (que ficou conhecida como Nandu-de-Darwin), só pra descobrir que ele já tinha comido um no Natal, quando estava em Puerto Deseado em 1833.

Quanto ele estava na Patagônia ele comeu Puma (que ele descreveu como parecendo vitela), e tatu (que ele disse que parecia pato)

Até hoje no aniversário do Darwin (12 de Fevereiro), certos biólogos comemoram com uma "Festa do Filo", onde fazem uns menus bem variados e bem... peculiares.

Tipo esses (são menus reais de "Festas do Filo" do Darwin Day)

Mas voltando as Tartarugas Gigantes, hoje em dia tem apenas umas 12 espécies, e tirando uma, todas estão ameaçadas.
A velocidade com que as Tartarugas Gigantes foram dizimadas é algo surreal.

Os primeiros relatos de Galápagos falam de avistarem mais de 3000 Tartarugas em um só lugar, tantas que dava para andar em cima dos cascos delas pela ilha sem tocar o chão, e poucas décadas, a maioria das espécies já havia sido devorada a beira da extinção.

(Tartarugas Gigantes não tem a habilidade de entrar dentro dos cascos para se proteger. Elas passaram milênios sem serem atacadas, então perderam essa característica. Na verdade, esticar o pescoço se tornou a maneira que elas demonstram quem é a dominante entre elas)

Até o lance da tartarugas viverem muito tem a ver com os perrengues que passam, porque de cada 10 que nascem, só uma vai chegar na adolescência (elas só conseguem se reproduzir depois dos 30), viver mais significa mais chances de continuar a linhagem

Em 2006 morreu a Adwaitya, que era uma Tartaruga Gigante das Seychelles (Aldabrachelys gigantea) que morava no Zoológico de Kolkata.
Ela tinha 255 anos.

Ela tinha sido a tartaruga de estimação do Robert Clive (o oficial britânico, que estabeleceu a supremacia política e militar da Companhia das Índias Orientais em Bengala e abriu caminho para o domínio Inglês sobre a Índia), e viveu bem mais que ele

Ela nasceu antes da Revolução Francesa, antes do Mozart. De Goethe. Antes de existirem trens.

Ela estava lá durante a criação do Congresso Nacional da Índia (1885), durante o Movimento Swadeshi (1903-1908) de resistência contra o controle Britânico, Estava lá quando império que o Clive ajudou a construir, ruiu. Ela presenciou o sol se pôr no Império Britânico.

Ela também presenciou o governo das Ilhas Mauricio declarar, em 1875, que os Geochelone Gigantes eram a primeira espécie protegida do mundo.

Por isso hoje existem cerca de 152.000 Tartarugas Gigantes de Aldabra, 90% da população total delas, que estão isoladas, a salvo do que é basicamente a unica ameaça a elas... pessoas.

Acho que o melhor modo de terminar a thread é com uma frase:
"De Chelonian Mobile"